ALEGRIA: NA DOR (I)

EVANGELHO – Jo 10, 22-30

Celebrava-se, em Jerusalém, a festa da Dedicação do Templo. Era inverno.
Jesus passeava pelo Templo, no pórtico de Salomão. Os judeus rodeavam-no e disseram: “Até quando nos deixarás em dúvida? Se tu és o Messias, dize-nos abertamente”. Jesus respondeu: “Já vo-lo disse, mas vós não acreditais. As obras que eu faço em nome do meu Pai dão testemunho de mim; vós, porém, não acreditais, porque não sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
Como sabemos, havia um grupo de judeus, de doutores da Lei, que resistiam a acreditar em Jesus. E hoje se voltam para Jesus e lhe dizem: “até quando nos deixarás em dúvida?” quando Jesus estava dando sinais e mais sinais de ser o próprio Deus. Hoje, com a nossa fé, sabemos que Jesus é Deus e que é esse Bom Pastor que cuida de cada uma das suas ovelhas. E isso é motivo de grande alegria.

Sigamos citando Dom Rafael onde ele falará a partir de agora da alegria que devemos encontrar em diversas situações da nossa vida. Hoje falará da alegria na dor.

* * *

São Josemaria Escrivá costumava escrever na primeira página da sua agenda de cada ano este lema: In laetitia, nulla dies sine cruce, “com alegria, nenhum dia sem cruz”. Queria com isso ter bem presentes em cada dia do ano aquelas palavras do Senhor: Quem não carrega a sua cruz cada dia e me segue não é digno de mim (Mt 10, 38).
Cada dia temos as nossas contrariedades e aborrecimentos; cada dia, de uma forma ou de outra, percebemos as limitações da nossa condição humana — as mazelas que castigam a nossa saúde e as humilhações que ferem a nossa autossuficiência —; cada dia nos surpreendem as alfinetadas do trabalho, das ocupações, do “corre-corre” quotidiano e inquietante, das apreensões do futuro… E numa jornada qualquer desse “cada dia” chega-nos uma cruz mais pesada, uma doença, um fracasso profissional, a perda de um ser querido…
Pois bem, se não soubermos levar com alegria, in laetitia, a cruz de cada dia — e especialmente essa mais pesada —, nunca saberemos ser felizes.
São Josemaria Escrivá também gostava de repetir: “A nossa alegria tem as raízes em forma de cruz”.
Por quê?
Porque da cruz brotou toda a alegria: o júbilo exultante da Ressurreição, a certeza da nossa felicidade eterna; porque se o grão de trigo não morre, fica infecundo; mas se morre, dá muito fruto (Jo 12, 24, 25). Quem conseguir tirar da morte, vida, e fazer da dor uma fonte de alegria, é sem dúvida um ser superior. E assim é o verdadeiro cristão: já começou aqui na terra a viver a permanente felicidade do céu, onde não haverá nem lágrimas nem despedidas.
Podemos entender isto de vários pontos de vista.
Diríamos, em primeiro lugar, que uma criatura que não sabe utilizar a dor como elemento catalisador da sua personalidade acaba por converter-se num ser atrofiado, raquítico. A dor, levada com bom ânimo, engrandece: demarca as nossas limitações; faz-nos compreender os sofrimentos dos outros, abre-nos aos necessitados e doentes; ajuda-nos a agradecer os benefícios que temos, em face daqueles que nos são tirados; purifica os nossos defeitos e pecados; faz aquele trabalho de “poda” que favorece o crescimento da videira, de acordo com a imagem evangélica: E o meu Pai é o lavrador que poda a videira para que dê mais fruto (Jo 15, 12). Numa palavra, dá-nos uma têmpera forte, disposta habitualmente a enfrentar com serenidade o que para outros significaria a consagração permanente de um estado de tristeza.
Isto é uma realidade que se pode comprovar em qualquer camada cultural, em qualquer meridiano geográfico: que justamente entre os homens bem-sucedidos, entre os que nada sofreram, é que vamos encontrar as pessoas mais superficiais, medíocres, egoístas, autossuficientes e, em consequência, irritadiças e mal-humoradas.
A familiaridade com o êxito, com a vida fácil, com um nível econômico mais que desejado, com a boa saúde, faz com que muitas pessoas vivam superficialmente, resvalem sobre o verniz brilhante das coisas perecíveis como se elas fossem eternas, e não se aprofundem nas camadas mais íntimas da alma, que é onde se encontram os valores mais autênticos: vive-se como alienado na familiaridade epidérmica dos acontecimentos externos.
E de repente rasga-se essa familiaridade superficial. Penetra até o âmago a ponta ardente da dor, o vislumbre doloroso da morte, com os seus lampejos de uma eternidade na qual nunca se quis pensar: e a alegria episódica desaparece como fumaça, e a tristeza inconsolável estende-se como uma sombra. Ora bem, é nesses momentos que se podem descobrir os valores mais profundos.
Assim o escreve o pensador alemão Lerch, ao estudar a estrutura da personalidade humana: (…) “Não raramente o homem deve atravessar o ponto zero crítico da existência, que é a frustração, para encontrar o seu núcleo metafísico’’. E nesse núcleo metafísico encontra a Deus.
Um homem que sabe disso defronta-se com a contrariedade como quem se encontra diante de um mestre a quem pergunta: que me quer ensinar com isto? E, esse mestre que sai ao nosso encontro, é Aquele que detém toda a Sabedoria Eterna.
Ensina-nos, Senhor, o significado desta parábola (Mt 13, 36), desta dor, deste fracasso, desta frustração… E o Senhor vai-nos ensinando: esta humilhação deve servir-te para “podar” o teu orgulho, que tanto machuca os outros; essa frustração é para que comeces a perceber que a tua autossuficiência é infantil e tola; a perda dessa pessoa querida serve para que penses mais que estamos aqui de passagem; essa dor profunda, para que acabes por compreender que foi precisamente a Cruz o instrumento que Eu escolhi para redimir o mundo.

Lição: meditemos nestas palavras de Dom Rafael para percebermos que e a dor não só não deve tirar-nos a alegria, mas torná-la mais profunda.

ALEGRIA: NA DOR (I)

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