EVANGELHO – Jo 15, 9-11
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena”.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor
Olhar para Jesus: Que bonitas são estas palavras de Jesus: “Como meu Pai me amou, assim também eu vos amei”. Não dá para imaginar o tamanho do amor que Deus tem por nós! E aí Nosso Senhor nos fala para guardarmos os seus mandamentos assim como Ele mesmo guardou os mandamentos do seu Pai. Que exemplo para nós que muitas vezes somos rebeldes e não queremos cumprir os mandamentos de Deus. E o mais tocante é como Jesus termina esta recomendação: “Eu vos disse isto, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena”. Ou seja, por que Jesus quer que vivamos os seus mandamentos? Para que a nossa alegria seja plena e, consequentemente, a dEle.
Continuando a nossa reflexão sobre a alegria, vamos falar hoje da alegria de contentar-nos com o que nós temos ao invés de entristecer-nos com o que não temos. Continua Dom Rafael:
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Alegre-se com o que tem e não se lamente daquilo que lhe falta. É outra receita que também funciona.
Lamentava-me com o meu pai de um forte abalo econômico que a família tinha sofrido. Íamos caminhando pela rua. Meu pai não me respondeu. Disse- me apenas: — “Olha que rapaz”. Em sentido contrário, vinha um rapaz numa cadeira de rodas. E então meu pai simplesmente acrescentou: — “Vamos ficar contentes com o que temos, que aliás é muito: a nossa saúde, a nossa família, a nossa fé… Não vamos queixar-nos do que perdemos”. A lição foi inesquecível.
Há pessoas que vivem exatamente o contrário: se não têm algo de que queixar-se, inventam-no. Vivem uma espécie de síndrome da lamentação.
É tão universal esta síndrome que já passou para as histórias em quadrinhos. Um dos personagens das tiras de Mafalda — do desenhista argentino Quino —, o pequeno Guille, tem essa tendência constante para a lamentação e o pessimismo. Um dia, queixou-se: “Eu tinha uma coisa ótima para dizer, mas não consigo lembrar-me do que era…” Das coisas alegres ele se esquece, e das tristes sempre se lembra.
Noutra ocasião, Guille estava triste. Mafalda perguntou-lhe:
– Que acontece, Guille?
– Doem-me os pés — respondeu, no meio de prantos. Mafalda reparou nos seus pés e explicou-lhe:
– Claro, Guille, você pós os sapatos ao contrário.
Guille, depois de reparar que era verdade e de corrigir o desacerto, recomeçou a chorar desconsoladamente. Mafalda interrompeu-o:
– E agora, por que está chorando?
– Agora, o que me dói é o orgulho!…
Há pessoas que são como o Guille: quando não tem uma razão objetiva para os seus lamentos, inventam-na. Ou melhor, vão procurá-la na verdadeira causa de todas as tristezas, escondida no orgulho. Podemos dizer que a verdadeira causa da tristeza é essa maneira de enaltecer-nos, de querer ser — como Guille — infalíveis.
Os humildes, os que se julgam na medida certa, sempre se consideram pouca coisa: aos orgulhosos, pelo contrário, com o seu ego inchado, tudo lhes parece pouco. É como inchaço patológico torna a pele da alma inflamada, muito sensível: qualquer coisa os machuca.
Devemos fomentar nobres ambições a fim de conseguir e desenvolver tudo aquilo que faz parte da nossa oração humana e cristã. Mas também devemos saber contentar-nos com o que temos e somos: o nosso corpo, a nossa saúde, o nosso temperamento, as nossas limitações, a família em que nascemos, o lar em que vivemos, a profissão em que trabalhamos, o caráter das pessoas que nos rodeiam…
Contaram-me há algum tempo uma história interessante.
Uma família judia vivia sempre descontente, cheia de atritos e protestos, mal-humorada e lamurienta: “A nossa casa é pequena demais. Vivemos amontoados, não há espaço para nada!” Um amigo aconselhou o casal a consultar um velho rabino muito sábio. Depois de lhe contarem tudo o que lhes acontecia, este disse-lhes que já sabia como solucionar o problema, mas precisava da sua palavra de que obedeceriam às suas indicações. Concordaram. O rabino disse-lhes:
– Comprem uma cabra, metam-na dentro de casa e voltem daqui a uma semana…
Perplexidade e protestos
– Mas isto é inconcebível!
– Os senhores concordaram em obedecer…, têm de cumprir a palavra.
Voltaram depois de uma semana.
– Como vão as coisas? — perguntou-lhes o rabino.
– Péssimas! Se antes corriam mal, agora ficaram insustentáveis! Por favor, dê-nos outro conselho.
– Fiquem com a cabra mais uma semana… e depois voltem.
– Mas não é possível…
– Têm que obedecer.
Na semana seguinte, repetiu-se a mesma cena, mas de forma mais dramática. O conselho foi o mesmo:
– Continuem com a cabra e voltem daqui a uma semana.
Na terceira semana, a situação era catastrófica. O casal voltou em estado de total prostração.
– Por favor, por favor, tenha compaixão de nós.
– Está bem. Tirem a cabra, limpem o chão e as paredes, e voltem na próxima semana.
Na semana seguinte, voltaram radiantes.
– Como estão as coisas agora? — perguntou-lhes o rabino.
– Nem imagina!… Estão ótimas!…
– Pois então, que continuem assim! — E insistiu incisivamente: — “Que continuem assim!” E, dando meia-volta, disse laconicamente: — “Passem bem!” E foi-se embora.
Moral da história: contentemo-nos com o que temos, saibamos dar valor aos atributos e dádivas com que Deus nos favoreceu… Já o fato de vivermos é um grande presente de Deus… A família, o emprego, os parcos recursos econômicos, a saúde, ainda que precária…, o pequeno apartamento…, tudo isso é muito!
Imaginemos que, nesse contexto, nos entrasse “a cabra” e se instalasse na nossa casa. A “cabra” pode ser qualquer coisa capaz de nos afligir: uma doença grave, um forte conflito familiar, a infidelidade conjugal, a marginalização de um filho, uma perda econômica considerável… Agora tiremos mentalmente essa “cabra” do nosso lar… Que alívio! Sentir-nos-emos contentes no nosso canto, dando graças a Deus por todos os males de que nos poupou, por todos os benefícios que nos dispensou…, até por aqueles que ignoramos. Diremos ao Senhor: “Muito obrigado; não te peço nada; está ótimo”; e lembrando-nos das palavras do rabino —: “Senhor, que as coisas continuem assim, que continuem assim, Senhor”.
Lição: saibamos agradecer as coisas boas que temos ao invés de reclamar pelas que não temos.