CARIDADE (9): ADMIRAR AS PESSOAS (IV)

EVANGELHO – Lc 14, 12-14

Naquele tempo: E disse também a quem o tinha convidado: “Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos”.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
no Evangelho de hoje, Jesus continua a nos ensinar algumas virtudes importantes. Ele está participando de uma refeição na casa de um dos principais fariseus e aproveita a ocasião para utilizar a imagem do banquete ou da festa. A primeira lição foi a da humildade, aludindo a não procurarmos sentar nos primeiros lugares. Hoje Jesus nos ensina a caridade. Ao dizer para convidarmos ao fazer uma festa, os pobres, coxos e aleijados, não está pedindo que façamos isso no sentido literal, mas que antes de pensar em satisfazer as nossas vontades, devemos pensar nos demais. Tenho procurado pensar nos outros? Tenho lutado para combater o egoísmo?

Dando continuidade à nossa reflexão sobre a virtude da admiração, na última vez dissemos que as principais causas da perda da admiração pelas pessoas são dois defeitos: o orgulho e o egoísmo. Faltou falar sobre o egoísmo. É o que faremos agora.

Para vermos isto com clareza também utilizaremos um texto brilhante do Padre Francisco Faus. O egoísta, como sabemos, vai na contramão do amor. Ao invés de amar o próximo, ama em primeiro lugar a si mesmo. Desta forma, ao invés de admirar o próximo, irá vê-lo como um incômodo, como uma sobrecarga, como um desmancha prazeres, como uma fonte de aborrecimento. Vejamos o que diz o Padre Francisco.

* * *

Para o homem bom, os outros não são nunca estranhos. Não os enxerga nunca como inimigos que ameaçam o recinto fechado do seu egoísmo, provocando interferências e criando incômodos. Nenhuma pessoa é alheia ao mundo do seu “eu”. Os outros, sejam eles quem forem, tenham os defeitos que tiverem, fazem parte do seu universo de afetos e interesses. Por isso não o aborrecem nem o surpreendem, pois tem o coração mais inclinado a amar do que a amar-se a si mesmo.

É próprio do egoísmo ver o próximo com uma ponta de reserva: o “outro” é, para o egoísta, um possível “inimigo” de que tem que defender-se ou, pelo menos, precaver-se. O egoísta tem o coração muito ocupado pelo “eu”, denso e pesado como o chumbo. Admitir “outros” dentro de si significa ter de aceitar uma sobrecarga. Daí que esteja sempre com receio de que lhe perturbem os esquemas, de que lhe roubem o tempo, de que lhe tirem a tranquilidade, de que lhe exijam renúncias; e sofre por ter que aturar defeitos aborrecidos e limitações cansativas. O egoísta é mal-humorado e impaciente. Incapaz de dar, só sabe receber.

Bem expressiva é, a este respeito, a alegoria do mata-borrão e da fonte. Os egoístas assemelham-se ao mata-borrão: só sabem absorver, dos outros, o que favorece aos seus interesses, o que lhes traz vantagens ou lhes causa agrado. Acontece, porém, que essa absorção egoísta, em vez de enriquecê-los, os destrói. O mata-borrão ensopado fica inservível, desmancha-se todo, e o seu destino final é a lata do lixo.

Outros homens, pelo contrário, podem ser comparados a uma fonte. O manancial dá-se incansavelmente, ignorando o que seja reter ou sugar. O esbanjamento generoso das suas águas não só não o empobrece como o transforma num foco contínuo de fecundidade. À sua volta, a terra árida transforma-se num jardim e as plantas ressequidas experimentam um estremecer de vida. Para a fonte, viver é fazer viver.

Pois bem, o coração do homem bom, tal como a fonte, vive a criar vida e frutos em todos os que o cercam. Não pensa que lhe tiram o que é seu – a sua paz, a sua tranquilidade, o seu tempo, as suas energias –, porque o seu amor só sabe dizer, como o pai do filho pródigo: “Tudo o que é meu é teu” (Lc 15, 31). Tudo o que é dele está aberto aos outros, e é mais “dele” quanto mais é participado pelos outros (Francisco Faus, “O Homem Bom”, Ed. Quadrante).

Lição: vemos atrás destas palavras como a trajetória do egoísta não é de admiração pelo próximo, mas de aborrecimento cada vez maior, por contrariar os seus gostos, por atrapalhar os seus esquemas, por tirar-lhe a paz. Será que não é o meu egoísmo que tem feito perder a admiração pelos outros?

Terminemos esta pequena série com a disposição de crescer no amor pelo próximo, tendo como modelo o amor de Cristo por nós, o amor das mães pelos filhos, vendo que cada ser humano tem um valor sagrado. E quando vemos alguém que se desviou do caminho, vamos dar a vida para que ele encontre a sua essência, isto é, ser uma criatura sagrada feita para o amor infinito, para amar e fazer o bem. E que não olhemos o próximo com o prisma da soberba e do egoísmo descartando-o como um objeto que não presta.

CARIDADE (9): ADMIRAR AS PESSOAS (IV)

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