VIRTUDES HUMANAS (23): PACIÊNCIA (13)

EVANGELHO – Lc 17, 26-37

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: Como aconteceu nos dias de Noé, assim também acontecerá nos dias do Filho do Homem. Eles comiam, bebiam, casavam-se e se davam em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca. Então chegou o dilúvio e fez morrer todos eles. Acontecerá como nos dias de Ló: comiam e bebiam, compravam e vendiam, plantavam e construíam. Mas no dia em que Ló saiu de Sodoma, Deus fez chover fogo e enxofre do céu e fez morrer todos.
O mesmo acontecerá no dia em que o Filho do Homem for revelado.
Nesse dia, quem estiver no terraço, não desça para apanhar os bens que estão em sua casa. E quem estiver nos campos não volte para trás. Lembrai-vos da mulher de Ló.
Quem procura ganhar a sua vida, vai perdê-la; e quem a perde, vai conservá-la.
Eu vos digo: nessa noite, dois estarão numa cama; um será tomado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo juntas; uma será tomada e a outra será deixada. Dois homens estarão no campo; um será levado e o outro será deixado”.
Os discípulos perguntaram: “Senhor, onde acontecerá isso?” Jesus respondeu: “Onde estiver o cadáver, aí se reunirão os abutres”.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
Nosso Senhor no Evangelho de hoje vai falando do que ocorrerá no Fim dos Tempos. E diz que muitos não estarão preparados para este momento, como não estavam preparados quando veio o dilúvio. Inúmeras vezes Jesus nos fala de estarmos preparados para quando Ele nos chamar à sua presença. Que o Evangelho de hoje nos leve a pensar em estarmos sempre preparados. E estaremos se não tivermos nenhum pecado mortal no coração sem que o tenhamos confessado.

Continuando a nossa série sobre as virtudes, e mais concretamente sobre a virtude da paciência, na última vez falamos sobre os milagres de Deus que não vemos. Hoje vamos terminar esta série sobre a virtude da paciência, onde estivemos citando o livro do Padre Francisco Faus sobre esta virtude. E o livro termina dizendo que toda a luta por adquirirmos esta virtude não significa que não tenhamos que ter a “santa impaciência”.

* * *

A SANTA IMPACIÊNCIA

O que acabamos de dizer, aproximando-nos já do final destas páginas, não estará porventura incentivando uma paciência feita de calma passividade, de abandono nas mãos de Deus, muito confiante, mas também excessivamente inerte?

Não. Quando um cristão repete, com o salmo: Só em Deus repousa a minha alma, é dEle que me vem a paciência (Sl 62, 6), não está fazendo a oração das cômodas desistências, como se dissesse: – “Eu durmo tranquilo reclinado sobre o peito do meu Deus, desligo-me de tudo, e Ele que faça o que julgar melhor”.

O bom cristão é sempre parecido com São João, pelo menos em uma coisa: o seu modo de repousar em Deus consiste em reclinar a cabeça sobre o Coração de Cristo. E o Coração de Jesus está em chamas: mais do que repousos, contagia ardores.

Queremos saber qual é a fogueira que lhe anda no peito? Ouçamos umas palavras que pronunciou pouco antes da sua Paixão, e que deixam entrever as labaredas da santa impaciência que o consumia por dentro: Eu vim lançar fogo à terra, e que quero senão que ele se acenda? Tenho de receber um batismo [o derramamento salvador do seu sangue], e quanto anseio até que ele se cumpra! (Lc 12, 49-50).

O Senhor aguardava, ansioso, a “sua hora”, o momento em que levaria à plenitude, no alto da Cruz, a obra redentora, e esse desejo queimava-o por dentro. Queria com todas as suas forças – disposto a dar a vida até à última gota de sangue – que a Verdade e a Vida divinas se alastrassem em chamas por toda a terra. E aguardava essa hora – deixando na mão do Pai os tempos e os momentos –, em serena e fervente tensão. Não vivia a calma passividade dos falsos pacientes. Era puro fogo, brasa em crepitação.

Por isso, se antes de encerrarmos estas linhas tivéssemos dado, nem que fosse de leve, a impressão de que a paciência é apenas uma arte de sofrer, de aceitar, de persistir no sacrifício, e mais nada, estaríamos deixando o leitor com um equívoco na alma. “A paciência cristã – diz um autor – nada tem a ver com os temperamentos fleumáticos […]. O fleumático nunca se impacienta, porque para ele nada existe que o comova interiormente […]. Quem não tem interesse por alguma coisa, é natural que possa esperar muito tempo: nunca perderá a calma, nunca experimentará a urgência estimulante, nunca sentirá impaciência” [NOTA DE RODAPÉ: Hildebrand, obra citada, págs. 202-203.].

Mas aquele que possui o ideal cristão e experimenta o zelo pela missão que Deus lhe confiou, não se afunda na calma inexpressiva do comodista. Estimulado por uma nobre inquietação, tem pressa em aproveitar – por amor a Deus e aos homens – todos os instantes da sua vida, e, sem permitir que a pressa o torne precipitado, não deixa para amanhã o que hoje pode oferecer ao Senhor.

O quadro completo da paciência só se abrange quando se recordam as palavras de São Tomás de Aquino, já citadas nestas páginas: “Só o amor é causa da paciência”. É nisto que está a autenticidade desta virtude. Aquele grande amor que, com a ajuda da graça divina, nos dá forças para aceitar, sorrindo e de olhos postos em Deus, as pequenas contrariedades e as grandes dores; aquele grande amor que nos dá energia para sermos fiéis e persistir pacientemente na luta um dia após outro, é o mesmo amor que acende na alma os grandes ideais e nos impele a realizá-los com o maior ardor e prontidão de que a nossa inteligência e a nossa vontade sejam capazes. A mesma paciência que aceita, torna-se divinamente impaciente em seus desejos de amar, de dar, de edificar. Não precipita atabalhoadamente as coisas, mas tem pressa, quer andar – como gostava de dizer São Josemaria – “ao passo de Deus”, ao ritmo das graças e das oportunidades que o Senhor nos dá, sem nada perder, sem nada atrasar.

Por isso, não é incoerente que um livro que começou por citar e glosar a frase “Tenha santa paciência”, termine – com o favor de Deus – espicaçando o leitor a que se lance com brio a dar o melhor de si mesmo e a cumprir com entusiasmo a missão que certamente Deus lhe confiou, enquanto lhe diz, como despedida: “Tenha santa impaciência!”

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