EVANGELHO – Jo 6, 52-59
Naquele tempo, os judeus discutiam entre si, dizendo: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” Então Jesus disse: “Em verdade, em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do Pai, assim o que me come viverá por causa de mim. Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre”. Assim falou Jesus, ensinando na sinagoga em Cafarnaum.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor
Olhar para Jesus: Jesus, no Evangelho de hoje fecha o discurso da promessa eucarística reafirmando esta grande verdade de que será nosso alimento, o alimento por excelência da vida espiritual, o alimento que nos fará ganhar o Céu, alcançar a vida eterna. O alimento que Jesus criou para a alma é a graça que é comunicada sobretudo pelos sacramentos. E, dentre os sacramentos, o principal é a Comunhão, pois com ela não só recebemos graças em abundância, mas o próprio autor da graça. Por isso, Nosso Senhor nos diz: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. Que vida é essa? A vida da graça. A vida divina em nossa alma. E é a Comunhão que nos leva, de modo principal, a ter esta vida divina. Assim, a Eucaristia é o alimento por excelência da nossa alma. Que saibamos ir em busca deste poderoso alimento para mergulhar-nos cada vez mais em Deus, no seu Amor. Sempre é bom lembrar que para recebermos a Comunhão temos que estar em estado de graça.
Dando continuidade à nossa série sobre as virtudes, estamos vendo a virtude da constância e na semana passada começamos a dizer que um obstáculo para ela é o temperamento sentimental que nos leva a sermos uma montanha russa, a animar-nos e desanimar-nos com frequência. Hoje vamos falar de como lapidar este temperamento para sermos mais constantes. Diz Dom Rafael Cifuentes:
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A superação dessa descontinuidade no agir não se consegue extirpando o entusiasmo, mas dominando-o. Isto é, como se faz com a energia elétrica, transformando, na turbina do caráter, a avalanche das emoções em força estável, capaz de ser depois condensada nos acumuladores da vontade, domesticada e distribuída nos fios condutores das ações diárias.
É necessário, por outras palavras, que os ideais que provocam em nós altas emoções se aprofundem na alma com a meditação continuada, cristalizem em convicções e se traduzam em decisões concretas exequíveis, fixadas num plano que determine etapas e meios. Desta forma, para além do entusiasmo, permanecerá uma rede completa de ideias e hábitos operacionais robustos, que garantem a continuidade dos nossos empreendimentos.
O nosso espírito descansa e ganha eficiência quando consegue converter ideais e sentimentos em propósitos de contextura simples. Que grande coisa supõe que alguém, por exemplo, possa dizer: “Se não for fiel a este horário, não serei fiel à missão que me foi confiada por Deus”. Porque, caso contrário, que significaria ser fiel a um ideal? Ser fiel, porventura, a puros estados de ânimo?
Quando alguém cria fora desses estados subjetivos uma linha objetiva e prática de conduta, continua caminhando na mesma direção, ainda que o entusiasmo desapareça, momentaneamente ou por um longo período de tempo. E o faz porque sabe que ser fiel a essa caminhada, feita de pequenos passos, é ser fiel à grande meta do seu destino.
Poderá, talvez, parecer a alguém pouco espontâneo este modo de comportar-se. Mas que pretende? Viver da pura espontaneidade animal, dessa sucessão desconexa de vivências que dependem das emoções tanto quanto uma cortiça flutuante depende da correnteza? Parecerá, por acaso, mais humana essa languidez a que com frequência fazem referência algumas personagens de Graciliano Ramos? “Esta inconstância — escreve em Caetés — que me faz doidejar em torno de um soneto incompleto, um artigo que se esquiva, um romance que não posso acabar… O hábito de vagabundear por aqui, por ali, por acolá….; e depois dias extensos de preguiça e tédio passados no quarto, aborrecimentos sem motivo que me atiram para a cama, embrutecido e pesado… Esta inteligência confusa, pronta a receber sem exame o que lhe impingem… A timidez que me obriga a ficar cinco minutos diante de uma senhora, torcendo as mãos com angústia. . . Explosões súbitas de dor teatral, logo substituídas por indiferença completa… Admiração exagerada às coisas brilhantes… E este hábito de fumar imoderadamente, este desejo súbito de embriagar-me quando experimento qualquer abalo, alegria ou tristeza!… Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo — uma estrela no céu, algumas mulheres na terra…”.
Este é o ritmo grotesco da espontaneidade animal, daqueles que se deixam arrastar em cada momento pelo que mais atrai. A vida de um homem feita desse estofo não tem sequência, é uma fatal consequência dos caprichos de um temperamento mal dominado. Vida fracionada. Homem de cem destinos, embrionários todos, ou abortivos.
É mil vezes superior, ainda que pareça frio e secante, ser livremente fiel a um plano de vida que vincule num feixe único as diversas pretensões de um ideal, do que ser “fiel” a essas inconsequências temperamentais, ainda que pareçam mais naturais e espontâneas.
Lição: comprometer-nos a um horário, passando por cima do gostar ou não gostar, é fundamental para adquirirmos a virtude da constância. Aprendamos a fazer as coisas que devemos fazer em cada momento do dia, com ou sem vontade.