EVANGELHO – Lc 6, 39-42
Naquele tempo: Jesus contou uma parábola aos discípulos: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco? Um discípulo não é maior do que o mestre; todo discípulo bem formado será como o mestre. Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão, e não percebes a trave que há no teu próprio olho? Como podes dizer a teu irmão: Irmão, deixa-me tirar o cisco do teu olho, quando tu não vês a trave no teu próprio olho? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho, e então poderás enxergar bem para tirar o cisco do olho do teu irmão.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor
Olhar para Jesus: gostaria de falar hoje sobre a vida de São João Crisóstomo que foi um grande santo da Igreja. Foi proclamado doutor da Igreja e é um, como costumamos dizer, um dos Padres da Igreja. Os Padres da Igreja são os que viveram próximos à vida de Cristo e se destacaram por sua santidade e ortodoxia, isto é, tudo o que ensinaram está de acordo com os ensinamentos da Igreja.
Há mais de 1.600 anos sua voz ressoa em todo o orbe, dando testemunho da perenidade dos altos ensinamentos legados por ele à humanidade.
“A Palavra de Deus tem uma força irresistível. Ela é a mais poderosa arma que existe; arma de conquista, arma de transformação muito mais poderosa do que a bomba atômica! Um orador cristão bem preparado, que transmita a palavra revelada, tem nas mãos um verdadeiro tesouro de influência e de possibilidades para fazer o bem”.
O comentário acima, feito por um autor espiritual, explica bem a importância da vida de São João Crisóstomo. Realmente, poucos pregadores sagrados se notabilizaram como ele ao longo da História. Sua vida e sobretudo sua morte são testemunho da eficácia de sua palavra: os ímpios sentiram necessidade de fazer calar aquela “boca de ouro”, sob risco de ver nos braços da Esposa Mística de Cristo todo o Oriente, já nos primeiros séculos do Cristianismo.
O sonoro cognome de Crisóstomo – Boca de Ouro, em grego – é muito adequado a este grande Santo que soube apresentar a doutrina católica de forma inflamada e convincente, para defender a integridade da fé e da moral, naqueles conturbados tempos.
Não se podia conhecê-lo sem amá-lo
Nasceu por volta do ano 349 na Antioquia, então a segunda cidade do Império Romano do Oriente; nela conviviam pagãos, maniqueus, gnósticos, arianos, judeus e cristãos. Seu pai, Secundus, um homem importante e rico por ser comandante das tropas imperiais no Oriente, faleceu logo após o nascimento do filho e foi sua mãe, Anthusa, viúva aos vinte anos de idade, que ficou com o encargo de educar o recém-nascido.
Cedo o menino mostrou grande inteligência e foi encaminhado a dois famosos professores, um dos quais Libânio, considerado o maior orador de seu século. Recebeu educação religiosa do Bispo São Melécio que, pelo seu caráter sério, brando e atraente, cativou o discípulo a ponto de fazê-lo desistir dos estudos clássicos e dedicar sua vida à busca da perfeição espiritual. Deste Santo Bispo recebeu Crisóstomo o Batismo aos 20 anos de idade.
Poderia o jovem João ter-se deixado levar por seu nascimento ilustre e pelos raros talentos recebidos da Providência, tornando-se talvez um dos primeiros homens do Império. Mas, depois de provar o amor de Deus, as honras do mundo não o atraíam e seu único desejo era consagrar-se a Deus na solidão. Entregou-se a uma vida de austeridade e oração, e estudou profundamente a Sagrada Escritura. Dominando seu temperamento colérico, adquiriu a mansidão evangélica, à qual juntou uma amável modéstia, uma terna caridade para com o próximo e uma conduta cheia de sabedoria.
Após quatro formativos anos de convívio com São Melécio, retirou-se a um lugar deserto, onde viveu como anacoreta sob a direção de Diodoro, mais tarde Bispo de Tarso. Ali escreveu várias obras de cunho literário e espiritual. Com a saúde enfraquecida por vigílias e jejuns, viu-se forçado em 381 a retornar a Antioquia.
Nesse mesmo ano de 381, falecia São Melécio. O novo Bispo de Antioquia, Flaviano, viu-se desde logo ligado a Crisóstomo por laços de amizade. Ordenou-o sacerdote em 386 e o nomeou seu pregador.
No período de 12 anos em que exerceu essa função, difundiu-se sua fama de orador. Seus ardorosos sermões, sempre ouvidos com avidez e frequentemente interrompidos por calorosos aplausos, versavam sobre as Sagradas Escrituras. Entretanto, ele não visava obter aplausos: servia-se do púlpito para levar as almas a Deus e Deus às almas. Assim, não poupava críticas aos maus costumes da época, tanto os do povo que o aplaudia, quanto os dos poderosos que, de início, o admiravam.
Valendo-se de sua extraordinária facilidade de expressão, da profundidade de pensamento, da maneira nobre e brilhante de apresentá-lo, Crisóstomo formava com sólidos princípios seu rebanho.
Nesse período de atividade pastoral como pregador, desenvolveu sua mais intensa produção teológica literária. A julgar apenas por esses anos, de 386 a 398, São João Crisóstomo já poderia ser considerado digno de figurar entre os primeiros doutores da Igreja. Entretanto, honras maiores lhe estavam reservadas e, para alcançá-las, deveria ele aceitar a Cruz do Divino Redentor sobre seus ombros.
Mergulhada nos abundantes prazeres que a prosperidade econômica lhe proporcionava, Constantinopla abrigava a faustosa Corte dos imperadores romanos do Oriente. Como em todos os tempos, muitas vezes, onde há riquezas, luxo e ostentação rareiam as virtudes cristãs. Tendo falecido o Arcebispo Nectário, quis o imperador Arcádio elevar a essa dignidade o santo pregador. Assim, em 28 de fevereiro de 397 ele recebeu de Teófilo, Patriarca de Alexandria, a ordenação episcopal e tomou posse da Sede constantinopolitana.
São João viu-se inesperadamente na arrogante metrópole, colocado à cabeça do Episcopado bizantino, num ambiente em que predominavam as aparências e o poder, com frequência conquistado à base de maquinações secretas. Segundo Paládio da Galácia, um de seus mais importantes biógrafos, São João deu início ao seu governo varrendo a escada de cima, ou seja, “começou por derrubar o edifício da falsidade a fim de alcançar os alicerces da verdade”. Para destruir a influência desse homem de Deus que incomodaria muito a consciência daquele povo, o demônio valeu-se astuciosamente de pequenos incidentes nos quais transparecem a inveja, o egoísmo e a intriga organizada.
Desta forma, depois de alguns anos acabou sofrendo perseguição, foi exilado uma vez e uma segunda vez onde sofreria neste segundo exílio a sua morte no ano de 407.
São João Crisóstomo deixou um legado extraordinário para a Igreja. Está entre os Padres da Igreja mais fecundos: dele chegaram até nós 17 tratados, mais de 700 homilias autênticas, os comentários ao Evangelho de São Mateus e às cartas de São Paulo (Cartas aos Romanos, aos Coríntios, aos Efésios e aos Hebreus), e 241 cartas.
Seus sermões inflamados duravam horas inteiras e combatiam os vícios e os pecados dos homens.
Frases célebres de São João Crisóstomo:
“Nada vale tanto como a oração. Ela torna possível aquilo que é impossível, fácil o que é difícil. É impossível que o homem que reza continue pecando.”
“Deus demora em atender-nos, não por repelir as nossas orações, mas para nos tornar mais fervorosos e nos atrair para si”
“Nada se torna tão semelhante a Deus quanto o sermos abertos ao perdão”.