EVANGELHO – Jo 3, 14-21
Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito. Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor
Olhar para Jesus: da mesma forma como fizemos no domingo passado, gostaria de sugerir para a reflexão de vocês a homilia de D. Henrique Soares da Costa dita neste dia. Vejamos.
* * *
Hoje rezamos na Oração de Entrada da missa: “Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, vós todos que a amais; vós que estais tristes, exultai de alegria! Saciai-vos com a abundância de suas consolações” (Is 66,10s). Caríssimos em Cristo, estas palavras de Isaías dão o tom da liturgia deste Domingo, chamado pela liturgia de Domingo Laetare – Domingo da alegria. No meio da Quaresma, na metade do caminho para a celebração da Ressurreição do Senhor, a Igreja nos convida à alegria pela aproximação da Santa Páscoa. Daí hoje a cor rosa e as flores na igreja. “Alegra-te, Jerusalém!” –Alegremo-nos, apesar das tristezas da vida, apesar da consciência dos nossos pecados! Alegremo-nos, porque a misericórdia do Senhor é maior que nossa miséria humana!
Como o povo da Antiga Aliança, também nós tantas vezes somos infiéis – já devíamos ter visto isso claramente a essa altura da Quaresma! É trágico, na primeira leitura, o resumo que o Livro das Crônicas traçou da história de Israel: “Todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as práticas abomináveis das nações pagãs.
O Senhor Deus dirigia-lhes a palavra por meio de seus mensageiros, porque tinha compaixão do seu povo. Mas, eles zombavam dos enviados de Deus, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não teve mais jeito”.
Com estas palavras dramáticas, o Autor sagrado nos explica o motivo do terrível e doloroso exílio da Babilônia: Israel fez pouco caso de Deus, virou-lhe as costas; por isso mesmo, foi expulso do aconchego do Senhor na Terra que lhe fora prometida, perdeu a liberdade, o Templo, a Cidade Santa, e tornou-se escravo na Babilônia.
Aqui aparece toda a gravidade do pecado, que provoca a ira de Deus! É sempre essa a consequência do pecado: o exílio do coração, a escravidão da vida! A Escritura nos ensina, caríssimos, que Deus nunca faz pouco caso do nosso pecado, nunca passa a mão na nossa cabeça, jamais faz de conta que não pecamos! Jamais despensa de modo leviano as nossas infidelidades! E por quê? Porque realmente nos ama, nos leva a sério, importa-se conosco!
Ora, o pecado, afastando-nos de Deus, nos desfigura e nos faz perder o rumo e o sentido da existência e faz um grande mal aos outros. Por isso mesmo, causa a ira de Deus! Pois bem, o Senhor levou, então, seu povo para o terrível deserto do Exílio da Babilônia para corrigi-lo e fazê-lo voltar de todo o coração para Aquele que é seu único bem, sua verdadeira riqueza – aquele que é o seu Deus!
É por misericórdia que ele corrige Israel, por misericórdia que nos corrige: “Pois o Senhor não rejeita para sempre: se ele aflige, ele se compadece, segundo sua grande bondade. Pois não é de bom grado que ele humilha e que aflige os filhos do homem” (Lm 3,31-33). Deus é amor e misericórdia.
A leitura do Livro das Crônicas nos mostrou que, uma vez Israel convertido, corrigido, o Senhor faz com que ele volte para a Terra sempre prometida. Sim, efetivamente, “não é de bom grado que ele humilha e que aflige os filhos do homem”.
Caríssimos, esta mesma ideia que tantas vezes aparece no Antigo Testamento, cumpre-se de modo definitivo em Cristo Jesus. Hoje, o Senhor, com palavras comoventes, explica a Nicodemos a sua missão: “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho unigênito, para que não morra todo aquele que nele crer, mas tenha a vida eterna.
De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. Porque “estávamos mortos por causa de nossos pecados”, Deus, na sua imensa misericórdia, nos deu a vida no seu Filho único.
Vede, irmãos: há duas realidades que são bem concretas na nossa existência. Primeiro, a realidade do nosso pecado. Nesta metade de caminho quaresmal, é preciso que tenhamos a coragem de reconhecer que somos pecadores, que temos profundas quebras interiores, paixões desordenadas, desejos desencontrados que combatem em nós… Quantas incoerências, quantos fechamentos para Deus e para os outros, quantas resistências à graça, quantas máscaras! A humanidade é isso! Não somos bonzinhos! Somos todos feridos, todos doentes, todos pecadores, todos necessitados da salvação! Mas, ao lado dessa realidade tão triste, há uma outra: Deus não se cansa de nós; estende-nos a mão para nos tirar do nosso atoleiro e nos salvar! Essa mão estendida é o seu Filho Jesus! Deus amou tanto o mundo, levou-nos tão a sério, que entregou o seu Filho, o Amado, o Único, o Santo! Se é grande o nosso pecado, é imensa a misericórdia de Deus em Cristo; se é grande a nossa treva, é imensa a Luz de Deus que nela brilhou em Cristo; se é grande o nosso egoísmo; é imenso o amor de Deus manifestado em Cristo; se é grande a nossa morte; é imensa a Vida que nos foi dada em Cristo Jesus, nosso Senhor!
A grande tentação de nossa época é fazer pouco caso de Deus e, cinicamente, mascarar nosso pecado. Quantos cristãos adulteram, roubam, fornicam, abortam, negligenciam seus deveres para com Deus e com a Igreja, desobedecem aos mandamentos, e não estão nem aí. É um espírito de descrença, de falta de atenção e delicadeza para com o Senhor. É necessário que fixemos o olhar em Cristo que se entregou por nós e reconheçamos a gravidade e a realidade do nosso pecado! Volta, Israel! Volta, Igreja de Cristo! Volta, povo do Senhor! Voltemos, irmãos e irmãs! Em Cristo Jesus, nosso Salvador, “Deus quis mostrar a incomparável riqueza da sua graça!” Não brinquemos com o amor de Deus, não recebamos em vão a sua correção!
Recordemos que hoje, no Evangelho, após mostrar o imenso amor de Deus pelo mundo, a ponto de entregar o Filho amado, Jesus nos previne duramente: Quem nele crê, não é condenado, mas, quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito”. Ora, acreditar no nome de Jesus não é aderir a uma teoria, mas levá-lo a sério na vida pelo esforço contínuo de conversão, de parecer-nos com Cristo, de seguir os seus ensinamentos! Crede, irmãos, crede, irmãs! Crede, não com palavras vãs! Crede com o afeto, crede com o coração, crede com os lábios, mas, sobretudo, crede com as mãos, com os vossos atos, com a prática da vossa vida! De verdade creremos na medida em que de verdade nos abrirmos para a luz de Cristo; pois “o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz”.
Que o Senhor nos dê a graça de ver com sinceridade nossos pecados, reconhecê-los humildemente e confessá-los sinceramente, para celebrarmos verdadeiramente a Páscoa que se aproxima e dela participar eternamente na glória do céu. E que sejamos muito, muito agradecidos com esta infinita misericórdia de Deus. Amém.