DEMÔNIOS (7): A SUA GRANDE TÁTICA: A MANIPULAÇÃO (1)

EVANGELHO – Mt 11, 20-24

Naquele tempo: Jesus começou a censurar as cidades onde fora realizada a maior parte de seus milagres, porque não se tinham convertido. “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se os milagres que se realizaram no meio de vós, tivessem sido feitos em Tiro e Sidônia, há muito tempo elas teriam feito penitência, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza. Pois bem! Eu vos digo: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia serão tratadas com menos dureza do que vós. E tu, Cafarnaum! Acaso serás erguida até o céu? Não! Serás jogada no inferno! Porque, se os milagres que foram realizados no meio de ti tivessem sido feitos em Sodoma, ela existiria até hoje! Eu, porém, vos digo: no dia do juízo, Sodoma será tratada com menos dureza do que vós!”
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
No Evangelho de hoje Jesus lança imprecações às cidades de Corazim, de Betsaida e de Cafarnaum. Estas cidades estavam inundadas no pecado apesar de tantos milagres que já havia feito nelas buscando a conversão dos seus moradores. Deus faz de tudo para a nossa conversão. Mas, muitas vezes, encontra corações endurecidos, atados aos pecados, fazendo ouvidos surdos aos seus apelos.

Sabemos que estas situações de pecado ocorrem em grande parte devido à obra do demônio. O que faz o mundo tornar-se cada vez pior? As maquinações do demônio.

Há uma atuação do demônio que não é a tentação comum que a conhecemos. É a manipulação. Jesus chama o demônio de “pai da mentira”. O demônio, na sua astúcia, utiliza um meio sagaz para perverter multidões. É como se pensasse: se for tentando um a um, esta obra de perversão vai demorar muito. Vou lançar mão de uma estratagema melhor. Esta estratagema é a manipulação, que é uma mentira com cara de verdade. Quem explica o que é a manipulação de uma maneira genial é o filósofo Lopes Quintás que nasceu em 1928 e ainda está vivo. Recomendo a todos a leitura do seu artigo: “A manipulação através da linguagem”. Vocês podem baixá-lo no final do texto da homilia no meu site homilias.fecomvirtudes.com.br

Lopes Quintás vai dizendo assim:

A linguagem é o maior dom que o homem possui, mas também, o mais arriscado. É ambivalente: a linguagem pode ser terna ou cruel, amável ou displicente, difusora da verdade ou propagadora da mentira. A linguagem oferece possibilidades para, em comum, descobrir a verdade, e proporciona recursos para tergiversar as coisas e semear a confusão. Basta conhecer tais recursos e manejá-los habilmente, e uma pessoa pouco preparada mas astuta pode dominar facilmente as pessoas e povos inteiros se estes não estiverem de sobreaviso. Para compreender o poder sedutor da linguagem manipuladora, devemos estudar quatro pontos: os termos, os esquemas, as propostas e os procedimentos.

A) Os termos

A linguagem cria palavras, e em cada época da história algumas delas adquirem um prestígio espe-cial de forma que ninguém ousa questioná-la. São palavras “talismã” que parecem condensar em si tudo que há de excelente na vida humana.

A palavra talismã de nossa época é liberdade (hoje eu diria que a palavra talismã da nossa época é “tolerância”, tolerar todos tipos de comportamento humano). Uma palavra talismã tem o poder de prestigiar as palavras que dela se aproximam e desprestigiar as que se opõem ou parecem opor-se a ela. Hoje aceita-se como óbvio -o manipulador nunca demonstra nada, assume como evidente o que lhe convém- que a censura -todo tipo de censura – sempre se opõe à liberdade. Consequentemente, a palavra censura está atualmente desprestigiada (…) (Hoje em dia a palavra desprestigiada, até proibida, é intolerância; junto com ela vem o jargão: “quem sou eu para julgar”; com relação ao julgamento, veja minha homilia abordando este tema).

O manipulador dos termos talismã, sabe que, ao introduzi-los num discurso, o povo fica intimidado, não exerce seu poder crítico, aceita ingenuamente o que lhe é proposto. Quando, em certo país eu-ropeu, realizou-se uma campanha a favor da introdução da lei do aborto, o ministro responsável de tal lei tentou justificar-se com o seguinte raciocínio: “A mulher tem um corpo e é necessário dar à mulher liberdade para dispor desse corpo e de tudo que nele acontece”. A afirmação de que “a mu-lher tem um corpo” é desmontada pela melhor filosofia desde há quase um século. Nem a mulher nem o homem temos corpo; somos corpóreos. Há um abismo enorme entre estas duas expressões.

O verbo ter é adequado quando se refere a realidades possuíveis ou seja: objetos. Mas o corpo humano, o da mulher e o do homem, não é algo possuível, algo do qual possamos dispor, é uma vertente de nosso ser pessoal, como o é o espírito. Estendo a mão para cumprimentar e você sente a vibração do meu afeto pessoal. É toda minha pessoa que sai ao seu encontro. O fato de que meu ser pessoal inteiro vibre na palma de minha mão põe em evidência que o corpo não é um objeto. Não há objeto, por excelente que seja, que tenha esse poder. O ministro intuiu sem dúvida que a frase “a mulher tem um corpo” é muito frágil, não se sustenta no estado atual da pesquisa filosófica e, para dar força a seu argumento, introduziu imediatamente o termo talismã liberdade: “A mulher tem um corpo e é necessário dar à mulher liberdade para dispor desse corpo…”. Ele sabia que, com a mera utilização desse termo supervalorizado no momento atual, milhões de pessoas iam encolher-se timidamente: “É melhor não contestar essa sentença porque o que está em jogo é a liberdade e serei tachado de anti-democrata, de fascista, de radical”. E assim efetivamente aconteceu.

Se queremos ser interiormente livres de verdade, devemos perder o medo da linguagem do manipu-lador e matizar o sentido das palavras. O ministro não indicou a que tipo de liberdade se referia, porque o primeiro mandamento do demagogo é não matizar a linguagem. De fato, ele aludia à li-berdade, à “liberdade de manobra”, à liberdade -neste caso- de cada um manobrar, segundo seu capricho, a vida nascente: respeitá-la ou eliminá-la. A “liberdade de manobra” não é propriamente uma forma de liberdade; é antes uma condição para ser livre. Alguém começa a ser livre quando, podendo escolher entre diversas possibilidades, -liberdade de manobra- opta por aquelas que lhe permitem desenvolver sua personalidade de modo completo -liberdade criativa-. Mas uma pessoa que utilize essa liberdade de manobra contra a semente da vida, que corre aceleradamente até a plena constituição de um ser humano, estará se orientando para a plenitude de seu ser pessoal? Vi-ver pessoalmente é viver fundando relações comunitárias, criando vínculos. Aquele que rompe vínculos fecundíssimos com a vida que nasce, destrói na raiz seu poder criador e, portanto, bloqueia seu desenvolvimento como pessoa.

Tudo isto se vê claramente quando se reflete. Mas o demagogo, o tirano, o que deseja conquistar o poder pela via rápida da manipulação, age com extrema rapidez para não dar tempo de pensar e submeter à reflexão pausada cada um dos temas. Com isso não se detém nunca para matizar os conceitos e justificar o que afirma; como se houvesse um grande consenso expõe com termos ambíguos, imprecisos. Isso lhe permite a cada momento destacar dos conceitos o aspecto que interessa a seus fins. Quando realça um aspecto, o faz como se fosse o único, como se todo o alcance de um conceito se limitasse a essa vertente. Dessa forma evita que as pessoas a quem se dirige tenham elementos de juízo suficientes para esclarecer as questões por si mesmas e fazerem uma ideia serena e bem ponderada dos problemas tratados. Ao não poder aprofundar-se numa questão, o homem está predisposto a deixar-se arrastar. É uma árvore sem raízes que qualquer vento leva, principalmente se este sopra a favor das próprias tendências elementares. Para facilitar seu trabalho de arraste e sedução, o manipulador afaga as tendências inatas das pessoas e se esforça em obstruir seu sentido crítico.

Toda forma de manipulação é uma espécie de malabarismo intelectual. Um mágico, um ilusionista faz truques surpreendentes que parecem “mágica” porque realiza movimentos muito rápidos que o público não percebe. O demagogo procede, desse mesmo modo, com estudada precipitação, a fim de que as multidões não percebam seus truques intelectuais e aceitem como possíveis as escamote-ações mais inverossímeis de conceitos. Um manipulador proclama, por exemplo, às pessoas que “lhes devolveu as liberdades”, mas não se detém para precisar a que tipo de liberdades se refere: se são as liberdades de manobra que podem levar a experiências de fascinação -que precipitam o ho-mem na asfixia- ou a liberdade para serem criativos e realizar experiências de encontro, que leva ao pleno desenvolvimento da personalidade. Basta pedir a um demagogo que matize um conceito para desvirtuar suas artes hipnóticas.

Na verdade, Ortega y Gasset tinha razão ao advertir: “Cuidado com os termos, que são os déspotas mais duros que a humanidade padece!”. Um estudo, por sumário que seja, da linguagem nos revela que “na história as palavras são frequentemente mais poderosas que as coisas e os fatos”. (M. Hei-degger).

Lição: esta homilia é um pouco mais densa, talvez tenha que ser ouvida mais de uma vez, mas é importantíssima. Através deste texto que li para vocês, vocês podem entender um meio fantástico que o demônio, e as pessoas do mal, tem à sua disposição para perverter multidões: a manipulação. Agora também vocês entendem porque o demônio é o pai da mentira. Amanhã daremos continuidade a este tema, pois o texto continua. Procurem identificar, enquanto isso, outras palavras talismã que vocês conhecem. Cito algumas: quando alguém vive a fé, por exemplo, foram sendo criadas palavras para desprestigiar esta atitude: ser fanático, conservador; alguns mandamentos são chamados de tabus; para esvaziar o conteúdo da fé católica passou-se a dizer que todas as religiões são boas etc.

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Artigo: A manipulação do homem através da linguagem:
https://1drv.ms/w/s!ArJ5VW_PMBCIiPFIfws7Knlly_qCQQ?e=hPp2Bl

DEMÔNIOS (7): A SUA GRANDE TÁTICA: A MANIPULAÇÃO (1)

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