EVANGELHO – Jo 3, 13-17
Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna. Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor
Olhar para Jesus: Como dissemos, hoje é a festa da Exaltação da Santa Cruz. Alguém poderia dizer: como assim, exaltação da Santa Cruz, exaltar a Cruz? A cruz nem sequer deveria existir, muito menos exaltar. Será que a Igreja não está errada em exaltar a Cruz?
Podemos falar muitas e muitas coisas sobre este tema. Hoje gostaria de citar um exemplo. Uns anos atrás li um livro publicado pela Quadrante, que me impressionou profundamente; o seu título é: “Cartas que você não lerá”. Recomendo a todos!!!
Trata-se de um pai que escreve cartas para a sua filha, chamada Suzana, que tem Síndrome de Dow. Vamos nos colocar no seu lugar. Vamos imaginar que vocês estão recebendo a notícia no ultrassom de que a filha de vocês tem Síndrome de Dow. É realmente uma pedrada, ninguém nega. Há muita gente que diz não ter condições de lidar com isto.
Se ficamos só com esta notícia, ficamos paralisados na dor. Mas quem passa pela dor, se está aberto a Deus, passa por várias fases. A fase seguinte, procurando aceitar a vontade de Deus, é a resignação. Não há mais remédio senão aceitá-la. Evem o nascimento da filha: medo e apreensão, renova-se a dor.
Mas, passa um pouco mais de tempo e você não acredita: este casal está completamente mudado, estão felicíssimos. E mais: não trocariam esta filha por nada neste mundo. E mais: não param de agradecer a Deus por terem recebido este “presente”.
Aí você pergunta: mas aquilo não era uma grande dor? Como eles estão assim agora? Estão assim, justamente porque a cruz é uma fonte impressionante de graças e bênçãos e algumas delas, bem poucas, vamos perceber isso só na outra vida.
Vejam o que vai dizendo o pai neste livro:
(Fala da dor)
Para os outros, talvez você não seja nada: uma vida sem planos, nem futuro, uma construção abandonada, uma dor e uma penitência que não passam.
(Fala do tesouro, do presente que ela é)
Mas para nós, seus pais, você é fonte e senda. Fonte de amor. Senda de projetos. E agora, com a passagem dos anos, apaziguada a tormenta do sofrimento e das lágrimas, quando os ventos e as águas já seguem serenamente o seu curso, você é também alegria e luz. E temos de mostrar a todo o mundo que não existe nada que seja pequeno ou insignificante.
(Percebe que está diante de um anjo)
Se brincamos de comer pedrinhas, pensa que são comida de verdade e quer engoli-las! Se coloco o meu livro à sua frente e lhe digo que tem de aprender o abecedário, rasga as folhas e depois berra de alegria, como se tivesse realizado uma grande proeza. Faço uma cara feia e digo-lhe que você é muito má… E ela ri de novo, e pensa que estamos fazendo uma brincadeira muito divertida!
Sim, você é assim, minha filha querida (palavras de aceitação diante de uma filha que não é normal), mas também você é feita de uns olhos claros e puros, de umas mãos pequenas e suaves, capazes de lavar a minha alma de pecados e que são gotas de orvalho no meu coração sedento.
(Fala da dor)
Um dos dias mais comoventes da minha existência, em que a minha alma se encheu de melancólica tristeza e tive que chorar, foi aquele em que o seu irmão foi pela primeira vez à escola <…> Tão cedo ia enfrentar a vida: os empurrões, as rasteiras, as mentiras e as verdades com o seu tempero amargo e sujo <…> Por que as crianças, na sua linguagem objetiva e cruel, lhe falariam de você sem eufesmismos, no primeiro cruzar de espadas deste duelo da vida, no exigente afã de demonstrarem superioridade. Uma delas levantou a voz e disse:
– “A sua irmã é retardada e você também é um retardado!”.
(Agora fala do tesouro, do presente)
Vi como neste dia você se aproximou de Susaninha e a beijou, fechando os olhos lentamente, como se fizesse uma oferenda silenciosa ou recuperasse as forças para o exercício de um futuro ato de heroísmo.
(Fala da dor)
E eu, pensando na dor do meu filho, nessa dor de que não se pode falar sem que os lábios e a língua estalem para dar passagem ao coração, levantei os meus olhos ao céu em busca de explicações, e senti no fundo da minha carne o frio da noite, e pareceu-me que as estrelas choravam.
(Agora fala do tesouro, do presente)
E lá no íntimo do meu ser, senti como se as correntes que prendiam a minha alegria se quebrassem e uma voz libertadora me dissesse: Bem-aventurados os que experimentam a dor no seu coração porque serão purificados e redimidos pela sua dor (Cartas que você não lerá, p. 19)
Ao longo das páginas deste livro, este pai vai mostrando toda a riqueza interior que adquiriu na escola do sofrimento. Palavras como esta: fonte, senda, lavar a minha alma, gotas de orvalho no meu coração, alegria, luz, vão aparecendo a cada página. Quem lê até fica com a impressão que o que ele está querendo transmitir é muito mais do que suas palavras estão dizendo. É que o sofrimento é como mergulhar num mistério. E quanto mais você mergulha, mais pedras preciosas, ouro e prata você encontra.
Lição: A principal cruz que exaltamos hoje é a Cruz de Cristo que nos trouxe a salvação. Quando bater à nossa porta a cruz, saibamos unir-nos a Deus nesta hora e pensemos que dela virá muitas graças e bênçãos. E, se carregamos a cruz com Cristo, como dizia São Josemaria, ela já não pesa, pois quem a carrega é Ele.