CARIDADE (27): BOM HUMOR (8)

EVANGELHO – Mc 8, 14-21

Naquele tempo: Os discípulos tinham se esquecido de levar pães. Tinham consigo na barca apenas um pão. Então Jesus os advertiu: “Prestai atenção e tomai cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes”. Os discípulos diziam entre si: “É porque não temos pão”. Mas Jesus percebeu e perguntou-lhes: “Por que discutis sobre a falta de pão? Ainda não entendeis e nem compreendeis? Vós tendes o coração endurecido? Tendo olhos, vós não vedes, e tendo ouvidos, não ouvis? Não vos lembrais de quando reparti cinco pães para cinco mil pessoas? Quantos cestos vós recolhestes cheios de pedaços?” Eles responderam: “Doze”. Jesus perguntou: E quando reparti sete pães com quatro mil pessoas, quantos cestos vós recolhestes cheios de pedaços? Eles responderam: “Sete”. Jesus disse: “E vós ainda não compreendeis?”
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
nesta passagem do Evangelho, vemos de uma forma muito nítida como os Apóstolos eram bem toscos e não entendiam nenhuma sutileza nas palavras de Jesus. Ver que os Apóstolos eram tão pouca coisa, além de terem inúmeros defeitos, é um consolo para nós quando vemos também a nossa miséria. Jesus quis se apoiar em pessoas assim, entre outras coisas, para nos mostrar que todos podemos ser fiéis a Ele e terminar esta vida muito santos, dando a vida por Nosso Senhor. Pensemos nisso!

Hoje vamos retomar a nossa série das terças-feiras sobre as diversas virtudes que compõem a caridade. Começamos a refletir sobre a virtude do bom-humor. Na última vez falamos sobre o bom-humor em Cristo. Hoje vamos falar do bom-humor na família. Estamos nos apoiando num livro chamado “O Bom-humor” de Hugo de Azevedo. Vejamos.

* * *

Ao longo destas páginas, fomos vendo por que motivo o homem ri, e por que motivo deve rir, brincar, usar de bom humor. Vimos que existe mesmo uma virtude nesse domínio e que faz parte da imitação de Cristo (…) Procuremos aplicar estas considerações a dois ou três campos da nossa vida.

Comecemos pela família.

No lar, a comicidade natural da nossa existência aumenta de intensidade: se a mistura matéria-espírito, sujeito-objeto, em cada indivíduo, já provoca tantas situações divertidas, o que dizer de uma instituição, como a família, em que se combinam homem e mulher, jovens e velhos? O contraste de mentalidades é contínuo, as confusões também, e a vida doméstica desenvolve-se segundo regras simultaneamente fixas e variáveis.

À primeira vista, não devia funcionar; mas funciona, porque é um jogo de amor; e de tal modo, que a família se torna o âmbito por excelência da felicidade humana, apesar dos seus intermináveis problemas.

(…) Sem bom humor, o lar é um inferno. Com ele, um pedacinho do céu. Isto é mais fácil quando há crianças com saúde. Vem-me à cabeça o poema de um avô:

Pus-me a contar pelos dedos
Quantos já são os meus netos;
Mas não consegui sabê-lo,
Porque nunca estão quietos!

Numa família, porém, não há só crianças encantadoras (…) E então é que se requer a virtude da alegria.

(…) Se, ao entrar em casa, cansado, a esposa ou o marido é recebido pelo seu filho que anda furioso, batendo portas, e por sua filha, que está chorando sem parar, há várias formas de reagir.

Pois bem: seja qual for a reação, a esposa ou marido devem ter sempre em conta é que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, mas talvez nos ajude a recordar que esta vida é um teorema rigoroso que só se verifica perfeitamente no outro mundo. Aqui na terra, nesta vida mortal, tanto as hipotenusas como os catetos estão bastante amassados, e os quadrados acabam saindo em forma de jaca, de mau feitio e pior soma.

É evidente que aqui não nos entendemos. Cada pessoa, em cada momento, é uma surpresa. A verdade é que a surpresa consiste por vezes em que as pessoas tomam exatamente a atitude que prevíamos, como se estivessem programadas. Mas não estão; e quando esperamos novamente que repitam o gesto — o berro, o choro que nos aborrece, só para nos aborrecer —, não o repetem (…)

— “Quando me casei”, dizia o meu amigo Antônio, “tinha uma dúzia de teorias sobre a educação dos filhos. Agora tenho quatro filhos e nenhuma teoria…”

Com isto não pretendo negar a importância das ciências da educação; apenas sublinhar que o homem é um ser ininteligível, incompreensível, enfim, livre. Será bem definível em abstrato; na sua definição, porém, deve constar que, como indivíduo, não só é indefinível, mas indeterminado e indeterminável. Tem que ser ele próprio a determinar-se em cada momento. É uma autonomia. Ora, nada mais surpreendente do que uma autonomia pessoal. E o surpreendente, sendo admirável, é também risível.

Voltamos, sem querer, à comicidade do homem em geral, mas estávamos vendo-o em família, onde um conjunto de autonomias pretende, nada mais nada menos, do que constituir uma só coisa! O mais curioso e engraçado é que isso acontece mesmo! É o mistério do casamento (…)

Contudo, apesar da real e profunda união de liberdades que se dá na família, as liberdades mantêm-se como tais, com todo o seu pitoresco de contrastes e a sua irredutibilidade. Quem pretendesse controlá-las de modo a fazer delas uma uniformidade programada, enganar-se-ia rotundamente. Só com bom humor se conseguem aceitar as diferenças pessoais.

Vejam-se os fogosos Apóstolos João e Tiago, filhos da impulsiva e ambiciosa Salomé: ora reclamam do Senhor que lance raios e trovões sobre os antipáticos samaritanos, ora proíbem que um bom homem faça milagres, ora se propõem a si próprios para os primeiros lugares no Reino de Deus… E Nosso Senhor, além da paciência com que os educa, acha-lhes graça e dá-lhes um nome muito apropriado: os “Boanerges”, os filhos do trovão!

Só com caridade e bom humor conseguimos ver, nos incômodos defeitos do próximo, virtudes em potencial… e transformá-los em virtudes autênticas. Aqueles dois ambiciosos, mais tarde, haviam realmente de alcançar primeiros postos: João, o primeiro no amor e na sabedoria; Tiago, o primeiro a dar a vida pelo Mestre.

Somos efetivamente extraterrestres em relação ao mundo e uns para com os outros. Embora unidos pela natureza, pelo amor de Deus e pelo destino comum, cada um de nós pertence a uma galáxia diferente, ao “seu mundo”, e assim havemos de respeitar-nos e dialogar.

Lição: não queiramos, portanto, colocar os familiares em nossos moldes. Saibamos respeitá-los e achar graça nos seus comportamentos, já que quase nada é vida ou morte. Que saibamos dizer com frequência: “Esta minha mãe é uma figura”! “Este meu pai é uma figura”! Este meu irmão é uma peça rara”!

CARIDADE (27): BOM HUMOR (8)

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