CARIDADE (21): BOM HUMOR (2)

EVANGELHO – Lc 8, 19-21

Naquele tempo, a mãe e os irmãos de Jesus aproximaram-se, mas não podiam chegar perto dele, por causa da multidão. Então anunciaram a Jesus:

“Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem te ver”. Jesus respondeu:

Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e a põem em prática”.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
mais uma vez Jesus mostra a importância de colocar em prática os seus ensinamentos. E que são estes que pertencem à sua família. E, colocar em prática, não só alguns ensinamentos, mas todos. Jesus não fez nenhuma ressalva.

Continuando nossa série das terças-feiras sobre a virtude da caridade, começamos uma série específica só sobre o bom-humor. Na vez passada fizemos só uma introdução. Dizia que íamos seguir o livro “O bom humor” de Hugo de Azevedo, da Editora Quadrante. O livro começa assim:

Uma das causas por que muita gente se afasta de Deus é a impressão que têm de que a vida cristã é tristonha. Parece-lhes que é preciso pensar demais na morte e que as alegrias de que falam os livros espirituais são uma espécie de alegrias de além-túmulo, abstratas e solenes, esquisitas — tristes, ao fim e ao cabo.

(…) Essa impressão enfadonha procede da imagem que muitas pessoas piedosas dão da vida cristã: sempre que rezam, lacrimejam ou suspiram; sempre que falam de Deus, põem um ar compungido. As próprias imagens dos santos, para elas, têm de ser melancólicas (…) Como julgam que o ambiente das igrejas é o modelo perfeito da vida espiritual, e como na igreja não se ri, qualquer risada entre amigos lhes parece uma imperfeição (…) uma “fraqueza” humana.

Como foi que chegamos a esta situação? Seria longo historiar esse fenômeno tão generalizado, mas, em resumo, talvez pudéssemos dizer que na origem desta melancolia piedosa está a falta de esperança. Não a falta absoluta de esperança, como a dos ateus, mas a desesperança de que possamos santificar-nos na vida corrente, no meio do trabalho, nas preocupações familiares, nas relações sociais, etc. Ou seja, a convicção de que, fora da igreja ou dos recolhidos claustros, não nos é possível seguir Cristo com perfeição.

No fundo, há falta de conhecimento da doutrina cristã. Muitos cristãos não leem nem meditam o Evangelho. Alimentam-se de breves homilias — que mal escutam — (…) É certo que não estaria bem representar um santo dando uma gargalhada, como acontece, aliás, com a representação de qualquer pessoa de respeito. Mas isso não significa que as pessoas mais respeitáveis não riam, não se divirtam, não brinquem. A mesma coisa se diga de Nosso Senhor, que, sendo uma Pessoa divina, teve e tem uma “personalidade humana” normal.

Aliás, há imagens medievais de Nossa Senhora tão risonhas que ainda hoje nos encantam. (…) É preciso desfazer essa penosa impressão de tristeza, e não basta organizar coros animados nas cerimônias religiosas, cerimônias que por outro lado exigem uma particular solenidade. A solução não está em modificar os gestos, os sintomas da doença, mas a própria doença, a própria atitude interior melancólica, doentia. E preciso renovar nos cristãos a virtude teologal da esperança, que nos vem da certeza do imenso amor de Deus por cada um de nós e nos dá a certeza do seu auxílio em todas as necessidades, até atingirmos a meta da plena união com Cristo.

Não é disso que vamos falar neste livro. Vamos falar de uma outra virtude esquecida, e tão esquecida que muitos nem a consideram virtude: o hábito da boa disposição, da alegria, do bom humor. A raiz desta virtude, no entanto, está justamente na esperança.

Como dizíamos acima, se não esperássemos a felicidade eterna, qualquer alegria nossa só poderia ser a de um pobre embriagado, que se esquece da sua desgraça à força de álcool, de qualquer álcool, seja ele a cachaça, a droga, sejam até ocupações honestas transformadas numa contínua distração. Pois, da mesma forma que se extrai álcool de inúmeras substâncias, também conseguimos embriagar a alma com qualquer entretenimento, bom ou mau.

A alegria cristã não é uma distração nem uma fraqueza; é uma disposição legítima, lógica, virtuosa. E não se trata de nenhum sentimento especial dos cristãos; é o sentimento de alegria que todos têm, nascido dos mesmos motivos nobres que as tornam felizes, e insuflado pela fé.

É preciso refazer a imagem melancólica que fizemos de Jesus e que se reflete inclusive no tom de voz com que tantos recitam as suas palavras, um tom de voz lamuriento, mesmo quando estão proclamando as Bem-aventuranças.

Jesus é perfeito Deus, mas também é perfeito homem; não um indivíduo taciturno, deprimido e deprimente. Teremos ocasião de pensar nisso ao longo destas páginas. Queríamos só vincar a necessidade de revermos a imagem que formamos do Senhor e, com ela, de toda a vida cristã.

Este tema é importante, não só para seguirmos de perto o nosso Mestre, mas também para ajudarmos os outros a conhecê-lo e para que aprendam a ser cristãos a toda a hora, tanto nos tempos de cansaço e sofrimento, como nos de lazer e convívio prazeroso com os amigos.

Que saibam que a alegria, a diversão, o jogo, o riso, a brincadeira não se opõem à união com Deus; e que, pelo contrário, sem essas normais manifestações de júbilo, de amizade, de amabilidade, de amor, não podem ser bons discípulos de Cristo, nem sequer entender muitas das suas palavras e dos seus gestos. Mais ainda: que, se porventura — ou melhor, por desventura — tendem para a melancolia, devem reagir contra essa má inclinação.

Não faz sentido apresentar a vida cristã sem alegria sincera. Como poderíamos anunciar uma Boa Nova de modo tristonho?

Lição: é interessante o que diz o autor deste livro que o fundamento da nossa alegria é a esperança.

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