ALEGRIA: SUA TRAGÉDIA É PROCURÁ-LA ONDE ELA NÃO ESTÁ

EVANGELHO – Jo 6, 52-59

Naquele tempo, os judeus discutiam entre si, dizendo: “Como é que ele pode dar a sua carne a comer?” Então Jesus disse: “Em verdade, em verdade vos digo, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Como o Pai, que vive, me enviou, e eu vivo por causa do Pai, assim o que me come viverá por causa de mim. Este é o pão que desceu do céu. Não é como aquele que os vossos pais comeram. Eles morreram. Aquele que come este pão viverá para sempre”. Assim falou Jesus, ensinando na sinagoga em Cafarnaum.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor

Olhar para Jesus:
Parando o discurso da promessa da Eucaristia como fizemos ontem, quando Jesus deixa claríssimo que nós o comeremos e que em aramaico, que é a língua que Jesus falava, fica ainda mais forte, pois Jesus diz que nós o mastigaremos, é normal todos nós ficarmos completamente perplexos. Foi o que aconteceu com todos os que estavam ouvindo as palavras de Jesus sobre a promessa da Eucaristia. Uns ficaram tão chocados com suas palavras que lhe perguntaram como Ele poderia nos dar a sua carne como alimento. E é interessante que Jesus não lhes explica, mas simplesmente reafirma esta verdade para que todos nós a acreditemos, como se dissesse: se vocês acreditam que eu sou Deus, então vocês devem acreditar em tudo o que eu digo a vocês.

Deus é o nosso verdadeiro alimento e é a nossa verdadeira felicidade. É isto que Dom Rafael vai falar hoje. Vai dizer que todos nós temos uma sede insaciável de felicidade e que nada aqui na terra poderá saciá-la. Vejamos.

* * *

A SEDE DE FELICIDADE

Se repararmos bem, tudo o que fazemos tem em vista satisfazer a sede de felicidade que se aninha em todo o ser humano. E a tragédia do homem consiste precisamente em procurar satisfazê-la em fontes falsas ou insuficientes.
Recordo agora uma longa e quente noite de verão, num velho trem europeu. Uma criança começou a chorar no compartimento. Choro interminável e irritante… A mãe tentava acalmá-la de diversas maneiras, sem consegui-lo; até que, de repente, se lembrou de abrir uma garrafa e dar de beber à criança. Esta ia bebendo, bebendo ansiosamente, até que a água acabou. Pouco depois, dormia placidamente. Estava com sede e não o sabia.
Quando se veem tantas pessoas tristes ou angustiadas, suspirando por uma saúde melhor, decepcionadas com a sua situação profissional ou econômica, inconformadas com a vida, choramingando as suas mágoas…, lembro-me daquela criança chorando no meio da noite: estão com sede, mas não sabem como satisfazê-la. Não sabem que, como o cervo que deseja as fontes das águas, a nossa alma tem sede do Deus vivo (SI 41, 3).
Desejamos a felicidade e vamos à sua procura; mas depois, quando observamos que as alegrias humanas se vão embora, despedindo-se com um gesto nostálgico, deixando-nos a saudade do tempo que passa e não volta; quando vemos o sinal dos anos marcando o rosto dos nossos pais; quando um ente querido se separa de nós nessa imensa despedida que é a morte…, verificamos que os pequenos regatos das alegrias terrenas, sempre eventuais e evasivas, não bastam. Suspiramos pelas águas da fonte cristalina.
Quando a beleza humana nos deslumbra com os seus encantos e, com a passagem do tempo, murcha e se dilui como as prometedoras bolas de algodão-doce na boca das crianças, sentimos sede. Levantamos a cabeça, como o cervo, para encontrar sentido e norte: sonhamos com a fonte de águas abundantes.
Goethe (buscando a felicidade nos prazeres desta vida dizia): “No meio de todos os prazeres, eu me sentia como uma ratazana envenenada que corre para todos os buracos, e saboreia tudo o que é úmido, e devora tudo o que lhe parece comestível, e sente as entranhas queimadas por um fogo inextinguível e abrasador”. Palavras que evocam aquelas outras comovedoras de Santo Agostinho: “Privado desse alimento interior que eras Tu, meu Deus, sentia-me vazio, cheio de tédio, e a alma chagada lançava-se fora de si, ávida de acalmar miseravelmente, em contato com as criaturas, a sede que a devorava”.
(Sem encontrar esta fonte, o homem) chora desconsolado como uma criança no silêncio da noite.
(… ) O homem tem necessidade de Deus e ignora-o. Busca a imagem perdida da fonte original.
A fonte cria a sede. E a sede leva-nos à fonte. Deus criou-nos com essa sede de felicidade, e é ela que nos empurra para Ele. Por isso as decepções e até as próprias frustrações podem ser extraordinariamente úteis: ajudam-nos, como ao animal sequioso, a apurar o nosso instinto religioso, que parece dizermos: Não!: não é o charco da satisfação dos sentidos, da vaidade e da glória vã que irá me satisfazer! Não; elas não conseguem preencher esse desejo imenso de felicidade que sinto! Corre! A fonte não está tão longe!
Esse instinto é o que nos salva. Porque nos tira do lugar em que vegetamos como burocratas da rotina, na qual estamos incrustados como moluscos, achatados, sem verticalidade. Esse instinto grita-nos: Tu estás feito para outras alegrias mais altas! Mereces mais! Tens a dignidade de um filho de Deus! Vamos, levanta-te!
(…) Pobres daqueles que não sabem decifrar a entranha essencial da sua tristeza, a sua imensa saudade de amor, o significado mais profundo da sua sede. Pobres daqueles que se contentam com a sua precária alegria fisiológica e vegetativa: Ai de vós, adverte-nos Cristo, que agora estais fartos, porque havereis de ter fome (Lc 6, 25).

* * *

O que podemos tirar de concreto destas palavras de Dom Rafael? Penso que pode nos ajudar muito meditar no dia de hoje estas palavras que ele nos disse: “Tu estás feito para outras alegrias mais altas”! Meditar nestas palavras pode provocar em nós uma reviravolta, uma mudança completa de vida. Pensemos nisso!

ALEGRIA: SUA TRAGÉDIA É PROCURÁ-LA ONDE ELA NÃO ESTÁ

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