EVANGELHO – Mt 28, 8-15
Naquele tempo: As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos. De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: “Alegrai-vos”! As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. Então Jesus disse a elas: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão”. Quando as mulheres partiram, alguns guardas do túmulo foram à cidade, e comunicaram aos sumos sacerdotes tudo o que havia acontecido. Os sumos sacerdotes reuniram-se com os anciãos, e deram uma grande soma de dinheiro aos soldados, dizendo-lhes: “Dizei que os discípulos dele foram durante a noite e roubaram o corpo, enquanto vós dormíeis. Se o governador ficar sabendo disso, nós o convenceremos. Não vos preocupeis”. Os soldados pegaram o dinheiro, e agiram de acordo com as instruções recebidas. E assim, o boato espalhou-se entre os judeus, até ao dia de hoje.
– Palavra da Salvação
– Glória a vós, Senhor
Olhar para Jesus: Vemos no Evangelho de hoje cenas bonitas da ressurreição de Jesus: o encontro de Jesus com as mulheres, a alegria delas, a inclinação delas para beijar os pés de Jesus, a mentira que começaram as espalhar os sumos sacerdotes de que roubaram o corpo de Jesus ao invés de aceitarem a sua ressurreição etc.
Quem foi a primeira pessoa que Jesus apareceu logo após à sua ressurreição? Com certeza, Jesus deve ter aparecida em primeiro lugar à sua mãe, nossa mãe. Mas isto não está relatado nos Evangelhos. O que o Evangelho nos diz é que a primeira pessoa foi Maria Madalena. Pensava em aproveitar as próximas homilias para falar um pouco sobre Maria Madalena, já que muitas pessoas têm uma ideia errada dela e tirarmos algumas lições da sua vida. Para isso, gostaria de citar alguns textos do Padre Francisco Faus falando sobre este tema.
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Maria Madalena pode ser uma das duas Marias que aparecem no Evangelho mas, pautando-nos apenas no Evangelho, não sabemos se é uma delas ou não. Uma delas é aquela pecadora pública que certa vez banhou os pés de Jesus com lágrimas de arrependimento e os ungiu com bálsamo (cf. Lc 7,37 ss.); e a outra é Maria de Betânia, a irmã menor – pura e singela – de Marta e Lázaro, que também derramou perfume sobre a cabeça e os pés de Jesus pouco antes da Paixão, num gesto de fina cortesia, muito oriental (Jo 12,3). Há alguns místicos que dizem que Maria Madalena é esta Maria, irmã de Lázaro.
Além desse esclarecimento, é interessante frisar que o Evangelho nunca disse que Maria Madalena fosse uma prostituta ou que tivesse uma vida devassa. Aliás, afirma de fato algo muito pior. Diz que Jesus expulsou dela sete demônios (Lc 8,2). Isto é muito sério. Bem sabemos que o número sete – na linguagem bíblica – significa muitos, uma multidão.
É, sem dúvida, algo terrível. Só o podemos compreender se tivermos consciência de que o demônio – como ensina a Bíblia – é, acima de tudo, o pai da mentira, do orgulho e do ódio. Como deve ter sido espantosa a vida dessa pobre mulher! (…) Deve ter entrado numa escuridão que a tornou incapaz de amar, incapaz de alegrar-se, incapaz de vibrar com a verdade, de admirar a beleza e de saborear o bem; incapaz de perdoar, incapaz de sorrir com carinho para os outros…! Porque um coração afastado de Deus e entregue ao demônio – ao pecado – é como um poço escuro e fundo. Lá não pode penetrar um raio de luz divina. A pessoa chega a tornar-se incapaz de acreditar que o amor, a beleza e a bondade existam. Só conhece as trevas na qual se afunda…
A tristeza no fundo do coração
Esse “poço escuro”, essas “trevas”, são o retrato que há no fundo de muitos corações. Corações, pessoas que podem cantar, gritar, dançar, embriagar-se de álcool, sexo, drogas e emoções radicais, mas que por dentro estão sombriamente vazias. Vivem nas trevas. E, mesmo sem o saberem, procuram e procuram incansavelmente a felicidade. Percebem que lhes falta algo essencial. Sentem-se como alguém que está tentando apanhar a água da fonte com um recipiente furado. Atormenta-as, então, uma ânsia de infinito que as queima por dentro, mas que nenhum tesouro do mundo e nenhuma loucura do mundo e nenhum prazer do mundo conseguem satisfazer.
Não, Maria Madalena não era feliz. Havia um rombo dentro do seu coração que gritava sem saber aquelas palavras de um poema de Tagore: “Tenho necessidade de Ti, só de Ti! Deixa que o meu coração o repita sem cansar-se. Os outros desejos que dia e noite me envolvem, no fundo, são falsos e vazios. Assim como a noite esconde em sua escuridão a súplica da luz, na escuridão da minha inconsciência ressoa este grito: «Tenho necessidade de Ti, só de Ti!». Assim como a tempestade está procurando a paz, mesmo quando golpeia a paz com toda a sua força, assim a minha revolta bate contra o teu amor e grita: «Tenho necessidade só de Ti!»”
O encontro que tudo mudou
Assim estava Maria Madalena, quando um belo dia Jesus foi buscá-la. Não conhecemos os detalhes. Só sabemos que Jesus teve compaixão dela, e dela expulsou sete demônios, como recordávamos acima. Dá para imaginar o que deve ter sentido aquela alma, ao encontrar-se livre do maligno e inundada pelo dom da graça, conduzida por Jesus à descoberta deslumbrante de Deus? O que deve ter sentido quando experimentou – talvez pela primeira vez na vida – a pureza e a grandeza do Amor, pois, como diz São João, Deus é Amor (1 Jo 4,8).
Encontrar Deus, na pessoa de Cristo, foi como sair da asfixia do poço e, de repente, “respirar”, absorver Deus até ao fundo da alma que a criava de novo. Madalena passou a ser uma mulher que, pela primeira vez na vida, se apercebeu de como é bela a criação e como ela se torna radiante com a luz de Deus. Seu coração transformou-se numa brasa incandescente, inflamada pelo amor a Jesus.
É natural que, a partir do dia em que o antigo coração das trevas foi inundado pela fé, pela esperança e pelo amor, começasse a seguir Jesus e a servi-lo, com uma dedicação abnegada e total, como conta o Evangelho, juntamente com outras santas mulheres. Seguir Cristo tornou-se, a partir daquele momento, a razão – toda a razão – da sua existência.
Por isso, quando a avalanche de brutalidades da Paixão, o ódio implacável dos inimigos, desabou sobre Cristo e o reduziu a um cadáver ensanguentado na Cruz, Maria Madalena – grudada à Mãe do Salvador – agarrou-se à Cruz como quem se agarra à vida. Viver sem Jesus era para ela – como para todos os corações que encontraram Cristo de verdade – perder tudo. Essa é a Madalena que vemos chorar junto do sepulcro do Senhor. Essa a razão de que só pense em buscar o seu Senhor (Jo 20,13).
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Vendo a história de Maria Madalena me faz pensar naquelas famosas palavras de Santo Agostinho: “Criaste-nos, Senhor, para ti e nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em ti”. Que ao conhecer a vida de Maria Madalena saibamos perceber o vazio do nosso coração quando está longe de Deus e que nada nesta terra vai satisfazer a sede infinita que temos de felicidade.